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domingo, 4 de dezembro de 2011

Portadores da Aids ainda lutam contra preconceito

João Lima (nome fictício) descobriu que vive com HIV há seis meses, mas como o próprio parêntese ao lado de seu nome faz referência, o receio de que a revelação atrapalhe seu trabalho, que é diretamente relacionado com o público, faz com que ele não divulgue sua identidade. Independente dos avanços com relação ao tratamento e formas de prevenção ao vírus da Aids, a síndrome sofre com um estigma social que é histórico e ainda atual. Prova disso, os direitos ao trabalho, ao tratamento de saúde e à vida, inerentes a qualquer pessoa, precisaram ser reforçados no ‘papel’ quando dizem respeito às pessoas que vivem com HIV.

Desde a descoberta da Aids, há 30 anos, até os dias atuais, muitas foram as conquistas dos portadoras do vírus HIV, êxito encabeçado, muitas vezes, por ativistas de ONGs que lutam pela quebra do preconceito. O trabalho direto da advogada Cristina Carvalho com a legislação específica às pessoas soropositivas foi iniciado quando prestava assessoria jurídica ao Grupo de Apoio à Prevenção à Aids do Pará (Gapa), uma das primeiras ONGs a trabalhar com a temática no Pará.

Segundo a advogada, a forma como as pessoas ainda veem a doença é um agravante que ocasiona o não cumprimento dos direitos determinados em lei. Através do trabalho que realiza atualmente como presidente da comissão de saúde da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), ela acredita que, apesar de alguns avanços, o preconceito ainda é cristalizado na sociedade.

“Eu trabalho com isso há mais de 20 anos e o que se percebe é que a Aids ainda carrega um estigma muito pesado na questão da moralidade”, afirma. “Cristalizou-se que o HIV é afeito aos homossexuais e às prostitutas e, ainda hoje, esse discurso é muito comum. Essas visões equivocadas fazem com que não se possa mais viver sem a garantia desses direitos que foram conquistados com muita luta”.

Segundo Cristina, as áreas que mais sofrem com o não cumprimento das leis são complementares. No topo do descumprimento, estão as questões trabalhistas e previdenciárias. “Se você vai procurar um emprego e a pessoa pede o teste do HIV como parte do exame admissional, você está diante de um preconceito, até porque é proibido por lei fazer isso”.

No que diz respeito às relações de trabalho, as pessoas que vivem com HIV/Aids têm o direito de manter em sigilo a sua condição sorológica no ambiente de trabalho, sendo proibida a exigência do teste de sorologia em exames adimissionais, periódicos ou demissionais. Segundo a legislação, uma pessoa só pode ser obrigada a realizar o teste em casos de doação de sangue, órgãos ou esperma.

LICENÇA

Diretamente relacionado ao trabalho, a pessoa que vive com HIV, tem o direito a receber uma licença por motivos de saúde, podendo vir a receber também, o benefício do auxílio doença se a impossibilidade de trabalho por questões de saúde se prolongar por mais de 15 dias. Em um prazo que supere os 12 meses, o trabalhador tem o direito de requerer junto aos postos de atendimento do INSS, sua aposentadoria.

“A Aids é uma síndrome e ela pode se manifestar no seu corpo de várias formas. Se a pessoa se mantiver com um mal estar por um longo tempo, ela pode recorrer à aposentadoria. Aí ocorrem os problemas”, acredita Cristina. “Muitos empregadores se recusam a agir assim e, ao saber que o funcionário é soropositivo, o demite porque acredita que está tendo prejuízo. É muito grande o número de pessoas que enfrentam esse problema. São ganhos que, apesar de serem direitos, não estão sendo cumpridos”.

Esse não é o caso de João, que trabalha em uma empresa da área de vendas. Logo após ter descoberto que tinha adquirido o vírus HIV, João recebeu a notícia de que a empresa estava cortando o benefício do plano de saúde aos funcionários, porém, ciente de suas necessidades, decidiu informar de imediato a sua situação à direção de seu trabalho. “Eu encaminhei um laudo para a empresa comunicando que eu tinha HIV e eles tomaram todas as providências para que eu não ficasse desamparado. Não retiraram o plano de saúde”, afirma. “Além disso, eles me ajudaram com o pagamento de 50% de um plano particular complementar”.

Preocupação com a reação das pessoas

Diante da possibilidade de perder um benefício fundamental para a manutenção de sua qualidade de vida, João não teve medo de expor sua condição. Ainda assim, a preocupação com a reação da sociedade ainda existe. “Eu não tive medo de contar à diretoria porque sei que eles têm que manter essa informação em sigilo. Comigo não tem acontecido situações de preconceito, mas sabemos que existe. Ainda se ouve muito as pessoas falarem como se elas não pudessem pegar o vírus”, afirma. “A gente fica com receio de falar para as outras pessoas”.

O nível de informação atual de João sobre os benefícios que tem direito só foi conquistado após a notícia positiva do seu teste de HIV. Antes de se ver inserido nessa condição, ele desconhecia todos os direitos garantidos às pessoas que vivem com o vírus. “Depois que eu fiquei sabendo que tinha HIV é que eu fui procurar me informar. Eu não sabia nem onde procurar essas informações”. Ainda assim, foi essa procura que possibilitou que ele garantisse o que é seu por direito. “A primeira coisa que fiz quando soube dos meus direitos foi procurar garanti-los. Eu consegui, logo de início, retirar o meu fundo de garantia para auxiliar o meu tratamento”.

Reagente ao vírus HIV há aproximadamente quatro meses, o médico Victor Lima (nome fictício), ainda está se inteirando sobre essas questões. O ‘pontapé’ inicial partiu de sua médica, que, logo após lhe informar o resultado do teste, disse que há uma série de direitos garantidos a quem vive com o vírus. “Agora é que eu vou dar sequência a isso. Ainda estou descobrindo tudo”.

O único benefício já apresentado a Victor até então foi o que garante o medicamento antirretroviral gratuito aos portadores de HIV. Para ele, que trabalha na área de saúde, uma boa surpresa. “Eu trabalho com saúde há 30 anos e sei das dificuldades enfrentadas diariamente, por isso, me surpreendi em vivenciar como as coisas funcionam bem no que diz respeito a distribuição dos medicamentos”. Diante da garantia de tratamento, ele pretende buscar ainda mais benefícios. “Se a lei me faculta certos direitos, eu os quero. Não quero nada mais do que me é garantido”.

Já a realidade vivenciada por Luiz Silva, morador do interior do Estado do Pará, é um pouco diferente. Além da falta de informação sobre a doença, que só descobriu após sentir os primeiros sintomas, ele desconhece totalmente os direitos que lhe são garantidos. Trabalhador da área rural, ele passou a não conseguir mais emprego após a descoberta propiciada pelo teste sorológico. A informação de que ele era uma pessoa vivendo com HIV ‘vazou’, como ele mesmo gosta de falar, e ele passou a enfrentar dificuldades. “Tem pessoas que sabem e não querem empregar uma pessoa doente. Eu não posso mais pegar muito sol e nem chuva, então, como a minha profissão é na área rural, quem ia querer me dar emprego?”, indaga, ao revelar que não sabia da possibilidade de aposentadoria em decorrência da doença.

DEPOIMENTO

"O fato de eu me identificar como uma moça transexual já foi um agravante de separação social, então viver com essa minha identidade passou a ser um desafio em um mundo que não foi feito pra mim. Eu enfrentei problemas na minha família, na universidade e na sociedade em geral, mas me mantive erguida. Vou ser uma das primeiras, se não for a primeira, transexual psicóloga do Pará.

Há um ano, no dia 25 de janeiro de 2010, eu recebi a notícia de que o meu teste de HIV tinha dado reagente, positivo. Foi um momento em que eu passei a refletir dobrado acerca do que de fato eu quero, eu busco, eu pretendo na minha vida. Agora, além de ter que enfrentar a sociedade por conta da minha identidade transexual, eu tenho mais um fator que ainda é um agravante e ainda é envolto por estigmas e preconceitos, que é a questão do HIV/Aids.

No início, foi muito difícil porque eu tinha apenas um conhecimento limitado acerca dessa síndrome, então, fui inundada de muito medo. Vieram três coisas imediatas nas quais eu pensei: a primeira é que eu iria morrer, pronto! Eu praticamente estava assinando, ali, o meu atestado de óbito; segundo que eu ia ter que começar a tomar medicação e não ia mais ter uma vida normal e, terceiro, que ninguém ia mais me querer.

Eu era uma leiga no assunto. Eu fiz o teste porque no segundo semestre de 2009 eu havia me envolvido em uma relação sem preservativo. Eu fui com medo, mas sempre tinha uma esperança. Eu pensava: ‘foi só uma relação sem preservativo’, mas isso não miniminiza nada. Resisti a procurar atendimento, levei uns três meses para me cadastrar no local para fazer o acompanhamento.

Foi muito difícil, eu tinha medo, não conseguia dormir, tive crises de depressão e cheguei a pensar em suicídio. Mas, no mesmo ano, eu tive a grande oportunidade de conhecer a rede de jovens que vivem com HIV e passei a me interar mais sobre a própria doença e fui expelindo preconceitos meus em relação a isso. Passei a perceber que sim, eu tenho um vírus, mas eu não vou morrer por ele, eu vou morrer com ele. Hoje essa é uma questão resolvida." Lyah Santos Correa - estudante de psicologia, 30 anos.

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